No segmento Arte, como primeira postagem farei de um meio que sempre me fascina. A Arte Tumular ou Arte Cemiterial. Tenho inúmeros registros fotográficos que fiz no Cemitério da Consolação, mas há dois sábados, resolvi visitar o Cemitério Araçá com uma câmera. O dia estava de chuva forte e constante, as alamedas estavam alagadas, tudo excessivamente molhado, minha câmera digital se passando por aquática, minha calça ensopada, não havia levado um casaco e o tempo esfriava gradativamente. Eu estava com uma amiga, a Paula Portinari, que tinha um guarda chuva todo escuncumbelhado, mas foi o que nos cobriu no momento de necessidade. Fizemos registros fotográficos fantásticos, mas trago nesta postagem três obras que realmente chamaram minha atenção nos poucos 20 minutos (devido à chuva) que passamos no interior da necrópole.
Agora, deleitem-se!
A primeira é uma escultura em bronze fundido. Trata-se de uma imagem que passa um penar imenso. O que mais me chama atenção nela é o véu recobrindo o rosto e a cabeça, representando a tristeza que se abate. Num braço, flores grandes, e a outra mão livre. Reparem que a flor da mão direita parece estar se soltando da escultura, como se a mão realmente a tivesse soltado sobre a campa. Em todos os registros fotográficos vocês observam essa leveza da flor, como se já estivesse livre da mão da escultura e se tornasse uma coisa só. A flor é algo extremamente belo e ao mesmo tempo efêmero. A vida se solta levemente da melancolia, para se tornar livre, mesmo que necessite passar a outra forma para isso. Os braços são nus, e a roupa muito leve, que revela cada detalhe do corpo. Ao mesmo tempo em que passa uma leveza imensa, a melancolia que se ressalta a torna pesada como chumbo. Vida leve, porém com o penar da perda. Na parte traseira da escultura passa-nos uma imagem completamente santificada, assemelhando-se a mantos e véus usados na antiguidade.
A segunda é em mármore. Trata-se de um anjo. Sou muito suspeito para falar sobre a figuração dos anjos, pois os adoro. São criaturas fantásticas, sempre leves anunciadores de algo. Neste caso, ele vem anunciar que não há mais nada aqui. Que o que havia já transcendeu. Ele está pousado, de pé, levemente sobre uma nuvem, entre o céu e a terra, com uma aparente flor na mão. (atentem aos detalhes técnicos de escultura na mão). As penas, a face muito serena e leve. Como deve ser, não distinguimos o sexo, pois anjos não o têm. Os aparentes seios, são bem discretos, quase masculinos. Mas não tanto a ponto de deixarem de ser femininos. A leve coroa sobre a testa completa a harmonia que há no rosto, sereno e contemplativo. Sem dor, sem penar, sem melancolia ou tristeza. Apenas contemplando a situação, com muita espiritualidade e energia.
A terceira também é em mármore. Trata-se de uma imagem que vi de longe, e a mim pareceu estar pairando no ar, entre as copas das árvores. A princípio foi assutador, mas me acostumei. Trata-se de uma figura feminina, de idade avançada, em roupas da década de 20 ou 30. Que fica no alto (a uns 4 metros do chão), sobre um pilar em uma campa. A figura observa, apenas. Não exprime nada, não faz nada. Só fica ali, parada, com o olhar absorto, pés paralelos. Mas é exatamente isso que me chama a atenção. Esse “dolce far niente”. O que se faz diante da morte?! Não há nada para fazer! Nada, a não ser olhar e esperar. Esperar para viver, ou para morrer. Por uma absolvição? Talvez. A técnica de escultura é precisa. A face reflete todos os sinais da passagem do tempo. A posição das mãos também são serenas. Direita sobre esquerda: razão sobre emoção.
Sugiro aos curiosos por este estilo de arte ou aos que desejarem uma degustação mais apurada, visitem os cemitérios. Ainda retornarei lá para mais registros exclusivos e uma exploração mais detalhada das alamedas. Me aguardem com próximas publicações relativas ao assunto.
Felipe de Moraes
29 de janeiro d 2009
Eu e os meus 34 anos.
Há 7 anos
Uma arte fascinante, um registro intrigante, um relato atordoante (ou não). O que dizer de seus mistérios, dos sentimentos, será que só quem passa por isso poderá dizer-nos, será que se traduz em versos e será que chegará ao destinatário[como queira]? Não consigo ter uma definição concreta. Mas é algo que me envolve como braços de saudade. Não sou conhecedor profundo, apenas um leigo admirador.
ResponderExcluira primeira imagem foi a que mais me chamou a atenção...pelo fato do rosto tampado...estaria ela escondendo a tristeza, a melancolia? e tudo isso com a leveza das flores,mas ao mesmo tempo o bronze a deixou densa...
ResponderExcluirenfim,é o que a gente sempre parece encontrar nos cemitérios né...aquela mistura da leveza da vida e do peso que a morte tras
beijos fe!