sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Anjo Elegíaco

Hoje farei uma postagem puramente de arte. É um desenho que executei em pastel seco sobre off-set preta, e que assinei em 14 de julho de 2005, e intitulei de “L’Ange Élégiaque”. Optei por este nome em francês, pois justamente na época em que trabalhei nessa peça, estudava conjuntamente um Trio Élégiaque para piano, violino e violoncelo, de Rachmaninov, e que fez parte do conjunto de inspirações para esse trabalho. A inspiração veio de uma escultura que está no Cemitério da Consolação, no túmulo do jornalista Cerqueira César. Na época, havia feito várias fotografias das obras de arte neste mesmo Cemitério, e já executei outras pinturas também, posteriores à, que podem ser vistas em minha postagem da Sinfonia 4 de Gustav Mahler.

Sempre fui fascinado por anjos. E nos cemitérios sempre encontro esculturas dignas para horas de sistemática apreciação. Quase sempre os artistas são desconhecidos, mas a mensagem não. Anjos são mensageiros, sempre nos trazem algo. Esses locais são sempre associados à morbidez, morte, tristeza... Mas longe disso, vejo um local de repouso, onde Deus também se faz presente, onde quem ali está apenas espera, repousando, a ressurreição. Para eles, tudo já é vencido, inclusive a morte. Os anjos e as esculturas que ali flanam, apenas admiram, às vezes entristecidos e melancólicos, às vezes admirativos, alguns até parecendo nos dizer: “Por que está triste? Sei onde está quem você procura, e está bem.”



L'Ange Élégiaque
Pastel seco sobre off-set preta - 29,7cm x 42cm - 2006

Neste desenho, o anjo repousa nu sobre blocos vermelho-magenta, e porta 2 tecidos azuis, um escondendo o que seria seu sexo (visto que anjos não têm sexo), e outro na mão esquerda, esta semioticamente simbolizando o lado das emoções. As cores foram selecionadas por mim, pois a escultura original é em mármore branco. O vermelho-magenta que escolhi para os blocos, simboliza o lado terreno, e o azul dos tecidos o lado divino. O branco do anjo, em auto-contraste com as sombras, o faz um ser divino também, cheio de luz, resplandecente. A opção de base que fiz para o desenho (off-set preto) gerou um resultado interessante, pois destaca as cores e as sombras no anjo, que são de um preto mais intenso, nos fazendo penetrar mais na obra, repousando e aprofundando o olhar. O corpo bem delineado, ao mesmo tempo em que parece flutuar, debruça-se sobre os blocos, em profunda elegia e lamento. A mão esconde o rosto, fechando a figura em seu próprio interior. As asas relaxadas também entrelaçam-se com o corpo, que possui uma sensualidade mágica e completamente humana. A iluminação é praticamente teatral, onde me remeto às obas de Caravagio, porém com maior luminescência nas cores e menor definição de realidade. O lenço azul em sua mão possui 3 dobras, simbolizando a Santíssima Trindade. A parte de cima das asas parece que irá envolvê-lo, enquanto das de baixo o elevarem. O anjo não faz nada diante da morte, apenas lamenta e introspecta-se em sua elegia. Ele está ali, apenas. Dentro de si mesmo e de seus sentimentos. O mundo decorre-se do lado de fora, e ele se deixa ver. Ele não sairá voando a qualquer momento. Ele se permite estar ali, em todo seu pesar, e em toda sua leveza. Apenas elegíaco.

Felipe de Moraes
2 de abril de 2009

Um comentário:

  1. Uma obra sublime, singela, doce, totalmente romântica. Se me permite fazer uma leitura pessoal, eu diria: a dor da perda de um grande amor, não mostrar seu rosto para que não se veja o seu sofrimento, o nu ao me ver representa o desejo de se tocar de se amar. Eu olho para esse anjo e sinto uma religiosidade misturada com amor carnal, aquele que desejamos e talvez não possamos ter. O seu estado de sofrimento chega a ser belo, embora traga sofrimento me parece um sofrimento bom pelo fato de ser por amor, uma certa mistura com alegria, não, não é loucura nem incoerência. Quem nunca sofreu por amor? Quem nunca experimentou as dores da perda de um doce e verdadeiro amor? Sublime. Triste é nunca ter vivido essas emoções: dor, perda, alegria, amor, sedução, sonhar acordado e tantos outros que fazem parte do amor, isso é ter vivido, o ter se arriscado, ter ido contra todos os princípios impostos pela sociedade, um anjo que talvez tenha amado um(a) mortal, vai contra esses princípios. É necessário quebrar os tabus, libertar-se para viver o que nem imaginamos. Existe um versículo bíblico que me encanta onde Deus diz: o que não subiu ao coração do homem é o que Tenho preparado para ele. Que tal criarmos asas e alçar voos nos permitirmos mais? Amar mais sem regras, sem restrições, sem preconceitos bobos, simplesmente amar. Talvez não dure para sempre, mas pelo menos existiu, terás uma história, uma lembrança, terá experimentado as sensações que mencionei acima. Ao olhar esse anjo sinto muitas emoções que chega ser difícil descrevê-las. Desculpe caso tenha ultrapassado algum limite ou tenha saído da proposta, mas escrevi o que realmente sinto quando o vejo. Um forte abraço.

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